Let´s Go!

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12.10.13

Seu Vizinho é o Mundo

Para quem mora em apartamento, nossa vizinhança é o Mundo.
Não quero dizer que nosso Mundo se restrinja aos vizinhos, mas o estranhamento ou a proximidade que podemos ter com os outros se reflete na relação que temos com as pessoas que moram próximas da gente.
Primeiro que vizinho a gente não escolhe, é um fato. Qualquer pessoa que tenha condições de alugar ou comprar um imóvel próximo do seu é seu vizinho. Podemos, ao decidir onde vamos morar, ter uma referência do estilo das pessoas que irão morar ao nosso lado. Mas não podemos decidir qual será a índole desta pessoa. Morar num prédio cheio de pessoas modernas e descoladas não significa ter boa companhia ao nosso redor. Existe gente moderna mau caráter, chata ou neurótica. Morar num bairro chique não significa que teremos vizinhos simpáticos. Simplesmente teremos gente ao nosso redor.
Dá para entender o pensamento do dono do Facebook quando compra as casas vizinhas à sua simplesmente para ter mais privacidade, quer sossego, não quer ninguém por perto. Não que eu concorde, já que a privacidade sempre encosta na solidão. Mas dá para entender. A maioria das pessoas de classe média que conheço almeja morar em condomínios fechados, onde o conforto é levar para dentro de casa um micro-cosmo da sociedade. Home Theatre para assistir sozinho seus filmes, piscina para escolher quem vai nadar com ele, tenta-se criar um mundo onde se tenha controle de quem estará ao seu lado. Mas sabemos que isto é impossível. Sempre vai ser necessário conversar com o entregador, dar bom-dia para o velho chato, cruzar no elevador com a mulher excessivamente perfumada...

Há que dialogar com o Mundo, somos animais sociais e vivemos em sociedade. Não descendemos dos rinocerontes, que vivem solitários. Somos um bando. E cada vez maior.

Viver em cidades grandes acaba trazendo esta reflexão à tona. A maioria das reclamações no grande Muro das Lamentações que é o Facebook derivam disto. É o trânsito, o trabalho, as filas. Os grandes vilões da existência são vilões sociais: Os momentos em que precisamos dar oi para os outros.

Curiosamente a maneira mais transformadora de mudar este cenário é aceitar o diálogo. Dar bom dia ajuda intensamente, pois você vai perceber que (nem todas) as pessoas também darão bom dia para você. Algumas surpresas, outras sorridentes, outras formais. Mas romper com o ciclo de alienação da existência permitirá uma experiência nova para quem ainda não pratica isto.

Você vai dar bom dia para alguém hoje? Que tal tentar?

9.10.13

O Brasil é um dos Manicômios da Europa?

Lendo "A História da Loucura na Idade Clássica", do Foucault, me veio este pensamento. De acordo com o autor, existe uma estrutura de segregação que foi sendo herdada no decorrer da história.
Com a preocupação com a Lepra no século XVI, são construídos os leprosários, para que fossem confinados os doentes, e evitar o contágio.
Com o declínio da doença na Europa, os Leprosários não tinham mais função, então começaram a internar os sifilíticos, para evitar que a doença se espalhasse. Mas num determinado momento a quantidade de sifilíticos também diminuiu, e não havia mais sentido em usar toda aquela estrutura para poucos doentes. Foi aí que surgiu a ideia de colocar dentro das estruturas os loucos.

O que é louco? Não pretendo esmiuçar o conceito fino do Foucault, mas louco é aquele que não se enquadra na normalidade. Assim, todas as pessoas que não eram consideradas "normais" pelos outros ou pelas autoridades passam a ser confinadas nos antigos Leprosários. E assim surge o Manicômio.

O autor cita muitos países que passam a confinar seus "loucos" na Europa, mas não cita Portugal. Curiosamente, na mesma época Portugal começa a enviar os "degredados" para sua colônia, o Brasil recém-descoberto. E o que são os "degredados"? As pessoas que não eram consideradas "normais" em Portugal.

Pensar que o Brasil começa sua história como um grande Manicômio faz a gente pensar, né?

8.10.13

Dia da Criança - Por um dia de luta pelas crianças

Acho graciosa a ideia viralizada das pessoas mudarem suas fotos de perfil no Facebook durante a semana da criança. Podemos ver crianças de várias épocas e estilos, e entender um pouco mais a alma e a formação de nossos amigos. Há uma delicadeza na atitude, e tudo que é delicado é bom.
Mas ver aqueles rostos de crianças no Face obviamente me fez pensar um pouco... E imediatamente me lembrei da quantidade de crianças em situações inadequadas para elas, vítimas de guerras, de drogas, da pobreza, da violência e do descaso das autoridades.

Pode parecer meio piegas ou muito óbvio, mas este tipo de situação nunca está tão longe da gente. Durante uma ação que desenvolvemos para um cliente na nossa agência fomos distribuir cobertores no dia mais frio do ano aqui em SP. Num determinado momento entramos dentro de uma ponte (como elas são ocas, o pessoal usa para construir verdadeiros condomínios lá dentro, neste moravam umas 30 pessoas pelo menos). Batendo papo com os moradores, começaram a aparecer as crianças, curiosas com as pessoas estranhas que estavam dentro da casa delas. Eram uma meia dúzia, de idades entre três e oito anos.



 
 

Uma das garotas que estava distribuindo cobertores com a gente reparou que o menorzinho estava sem sapato. Na verdade ele estava descalço, na noite mais fria do ano, andando num chão molhado que exalava um cheiro de urina e fezes. Aí ela disse para ele: "Vai colocar seu chinelo! Está muito frio". E ele disse: "Tia, eu não tenho chinelo".

Esta criança de três anos de idade que não tem chinelo mora a seis quadras da minha casa.
As crianças que são dependentes químicas de crack e cola moram a poucas quadras de minha casa, na Cracolândia.
As crianças que trabalham em olarias ou em carvoarias moram em outros estados, do lado do estado em que moro.
As crianças que trabalham colhendo e cortando  mandioca moram em estados colados aos estados do lado daquele onde moro.
As crianças-soldados carregando seus rifles e matando outras crianças moram no continente ao lado do continente em que moro.
As crianças que são vendidas por centavos moram num continente do lado do continente onde moro.

Depende de como enxergamos o mundo as coisas podem parecer mais próximas ou mais distantes. Eu, a cada dia mais, acho que os abusos contra crianças estão cada vez mais perto de nós, e que ao ignorarmos o fato, estamos sendo coniventes com a situação.

Nesse sentido, a brincadeira de trocar de fotos para "comemorar" a infância no FB me parece pouco relevante, esvaziada de sentido. Como adulto que sou, cabe a mim de alguma maneira intervir. E, se for para colocar uma foto em meu perfil, vai ser de uma destas crianças que estão próximas de mim.

6.10.13

Por que Amarildo foi torturado e morto?

Se nos Estados Unidos a "guerra ao terror" justifica abusos contra os direitos humanos básicos, no Brasil, a "guerra ao tráfico"  é a desculpa da vez.
Pelo que se sabe de Amarildo, não parece que ele fosse um santo (Só para lembrar, nem você nem eu somos santos). E que ele tinha algum vínculo com o tráfico na comunidade onde morava, ou fazia parte dele. Ainda não está claro o envolvimento.
Como o país estava mobilizado pelas manifestações, o grau de tolerância de vários segmentos da sociedade estava muito baixo em relação a abusos, e o desaparecimento de Amarildo caiu na boca do povo, o fato acabou se tornando um ícone da conduta violenta da polícia.
A frase "Onde está Amarildo", vista em centenas de situações, poderia muito bem ter acontecido na época da ditadura, quando pessoas desapareciam sem deixar rastros. Até hoje, depois de quarenta anos, algumas não foram encontradas.

Mas a grande questão é sobre a tortura e morte realizada por órgãos oficiais. Esta é a questão. É o Estado sendo conivente com agentes da sociedade, que são pagos para agirem em benefício de todos, realizando torturas e mortes em paralelo com outras leis, que ao que parecem, são de menor relevância social, como ter direito a se defender e ser julgado por um tribunal. A própria pena de morte não existe no papel no Brasil, mas existe na prática.

Para que tenhamos um paralelo entre a conduta do Estado e da Sociedade, imagine uma situação onde você têm uma empresa, e um dos gerentes descobre que um grupo de funcionários estava desviando dinheiro. O gerente chama outros gerentes e eles combinam uma reunião com os funcionários no final do dia, isolam o grupo do contato com outras pessoas e passam a noite torturando o grupo até descobrirem o que estava acontecendo.
No meio da tortura, um dos funcionários não aguenta os maus tratos e morre. O grupo de gerentes passa então a criar uma série de evidências para tentar provar que ele não morreu sendo torturado por eles, mas sim que os outros funcionários o mataram, para que ele não denunciasse o esquema.

Dentro do contexto corporativo a história se torna dura, pesada, parece um filme de suspense, cheio de chantagens e terror psicológico. Mas dentro do contexto social do Brasil se torna mais um caso de "abuso de autoridades", mais uma estatística, parece não ter importância. Afinal de contas, "se Amarildo se meteu com traficantes sabia o que podia acontecer com ele".

Mas como não se meter com traficantes se eles são (ou eram) os líderes da comunidade onde você vive, a mesma comunidade que foi isolada e abandonada durante décadas pelo governo? Que botava todos os excluídos no mesmo pacote, e ignorava o que acontecia por lá, ou era cúmplice de algumas situações? Quem não está envolvido, direta ou indiretamente, com o poder estabelecido?

Há inúmeras evidências de que a violência é um processo contagioso: quanto mais violentos somos, mais violentos nos tornamos. "Transmitimos" violência, fazendo com que os outros se tornem violentos também. A tortura é uma forma de violência inaceitável, mas achamos razoável em estados de exceção, como nos morros ou na guerra ao terror.

Evidentemente Amarildo está morto, e o Estado não vai deixar de torturar pessoas. Vai procurar dois ou três bodes expiatórios e entregar para satisfazer a vontade de justiça. Mas a tortura não vai acabar. Infelizmente, pois hoje no governo temos um monte de pessoas que sofreram com a violência no passado, mas não se solidarizam com aqueles que são torturados hoje...