Let´s Go!

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16.11.13

Por trás de todo revolucionário existe a alma de um ditador

Tenho 46 anos, e pude acompanhar muitos movimentos sociais desde os anos 1970. Participei de marchas e protestos ainda pequeno, levado pela minha mãe, professora politicamente engajada e contra a ditadura. Corri de cavalo, de bomba, invadi o Palácio dos Bandeirantes... desde sempre. Mas nunca me orientei politicamente como Socialista, Comunista ou as variadas opções ao capitalismo da época. Sou um democrata. Lembro de uma frase que dizia que "a democracia é o menos pior dos sistemas políticos". Concordo com isto.
Estava em São Bernardo do Campo no estádio de futebol quando o PT foi lançado, o Lula em cima do palanque. Estava no Anhangabaú no Diretas Já. Participei de movimentos políticos estudantis na FFLCH. Fui com alunos para as ruas no Fora Collor. Participei de praticamente todas as manifestações de julho e agosto deste ano, e observo com atenção as novas configurações de manifestações, balck blocs e etc.

Não odeio o PT, não odeio petistas, não admiro o PSDB e acho uma grande falácia enxergarmos estes dois partidos como politicamente em conflito. A Social Democracia é muito semelhante nos dois casos. Uma vez ouvi alguém dizer que nossa época vai ser marcada pelo governo FHC/Lula, há muita semelhança e complementaridade no que fizeram. Um não faria sentido sem o outro.

O mensalão, ou qualquer outro tipo de manipulação do processo democrático (desde o antigo voto de cabresto, coronelismo, dar um chinelo pro cabra e se o candidato ganhar dar o outro par, etc) é errado. Não há como negar. Comprar votos com dinheiro ou com qualquer outro tipo de recurso visando alterar uma votação é errado. Ponto.

Justificar um erro apontando os erros dos outros é infantil, quem tem filhos sabe disto, crianças fazem isto o tempo todo, apontarem para o outro para minimizar sua culpa.

Acho que no fundo o problema é a existência de um "Projeto". Parte das pessoas que foram presas hoje pelo mensalão tinham um "Projeto".  Algo fixo, quase um mantra, onde se apoiam para definir o que é bom para si mesmas, para os outros, para um país ou para o mundo. Tenho certeza que o Genoíno tem um "Projeto", e acredita nele. Acredita tanto na importância de seu "Projeto" que não vê problema em quebrar algumas regras, contanto que se chegue mais perto do "Projeto".

Todo revolucionário tem um projeto. E acha que as pessoas que não comungam de suas ideias ou são pouco esclarecidas e precisam ser lideradas ou são opositoras de seu "Projeto".

Quando eu estava no Centro Acadêmico da FFLCH conheci um cara, de uma vertente dos movimentos da época chamada Libelu (Liberdade e Luta), acho que trotskistas.
Rolou uma greve e manifestações na USP e num determinado momento um grupo decidiu bloquear a entrada da USP com uma barreira de pneus. Para dar um toque mais dramático, tiveram a ideia de jogar gasolina e atear fogo nos pneus. O tal cara que eu conheci era o responsável por jogar a gasolina e acender o fogo.

Tudo pronto para o evento, o cara foi até lá e jogou a gasolina. O chão ficou todo encharcado, como os pneus.  Uma moto estava passando no local e o motoqueiro perdeu o controle por causa do chão cheio de gasolina e se esborrachou no meio da pilha de pneus.

O cara que eu conheci estava com a tocha na mão, pronto para tocar fogo, quando viu o motoqueiro no meio da pilha de pneus. Foi aí que pensou "A vida de uma pessoa vale perder o momento histórico desta manifestação? Será que uma vida vale mais que o movimento?"

E o cara desistiu de jogar a tocha. E entrou em crise com o movimento.

As pessoas que estão sendo presas hoje não desistiram de jogar a tocha, acreditam no "Projeto" mais que tudo. Mesmo que alguém arda no fogo ateado por eles. O "Projeto" é mais importante.

Eu estou com o grupo que entra em crise e que não joga a tocha. Nenhuma tocha vale a vida de uma pessoa. Se é que vocês me entendem.


13.11.13

O Discreto charme da Velha burguesia

Nunca assisti "O Discreto Charme da Burguesia", do Buñuel, mas sempre achei o título do filme fascinante. (Não vou me dar ao luxo de falar sobre um filme que nunca vi, mas vou me apropriar do título que me encanta e faz pensar).

Concordo com a interessante maneira de abordar da Marilena Chauí feita durante um encontro na FFLCH (o vídeo está abaixo), mas no dia de hoje estou matutando sobre outra coisa: Sobre o tédio que aparentemente exala da Velha Burguesia nas relações interpessoais.


Muitas pessoas me consideram um cara arrogante pela minha maneira de falar ou de me posicionar numa conversa ou debate. O que descobri desta minha postura é que ela reflete uma convocação do interlocutor para uma arena comum: A da relação. Debate é conflito, e conflito é relação.

Mas o que fazer perante o tédio do outro? Como debater ou interagir quando a pessoa com quem conversa está plenamente sentada dentro do seu mundo, de suas convicções, valores, etc?

Descobri que tenho muita dificuldade em situações como esta. Mais do que ficar sem saber o que fazer, fico me perguntando "O que estou fazendo aqui?"...

A Velha Burguesia, que a Chauí chama de Classe Média, se apropriou do tédio que via exalar dos nobres dos filmes em preto e branco. Dum cansaço que parece dizer "Não adianta tentar, não pretendo sair daqui do meu trono para nada, nem que o apocalipse zumbi aconteça na minha porta". Fica aquela sensação de que a Velha Burguesia precisa, desesperadamente, deixar claro que há uma distância entre classes sociais, ou pelo menos entre você e ela.

A Velha Burguesia é, antes de tudo Velha. Se blindou para aquilo que está ao seu lado. Talvez por isto goste tanto de "pobre", ou de cultura "roots", pois está tão distante de sua realidade (ela acha) que não oferece perigo ao status que ela conseguiu e que usa para se distanciar dos demais.

Da mesma maneira que os nobres dos filmes velhos, entediados e solitários em salões cercados pelo vazio, a Velha Burguesia tende 'a extinção. Mas de uma maneira bem lenta e tediosa...

5.11.13

4 Razões para não odiar O Rei do Camarote

Depois de todo o rebuliço causado pela reportagem de capa da Veja SP desta Semana, o empresario Alexander Almeida está chateado. De acordo com conhecidos e amigos, o Rei do Camarote se arrependeu de ter dado a entrevista, e olha com tristeza para os inúmeros memes, vídeos e sátiras que apareceram sobre ele.

Reconheço que ele foi no mínimo displicente ao aceitar fazer este papel na mídia (a maioria diria que ele foi arrogante elevado a enésima potência). Ao se deixar filmar para uma ação de marketing que não se sabe qual seria, acabou virando motivo de piada.

Mas por que não devemos odiar o Famigerado Rei do Camarote?

1 - Ele é o modelo de sucesso da grande maioria das pessoas jovens
Apesar de ter quase quarenta anos, Alexander está onde a maioria dos jovens (e muitos adultos) gostaria de estar. Ao sair na rua de Ferrari, ele está acima dos outros (carro melhor). Ao circular com seguranças está menos vulnerável que a maioria (protegido). Vai nas melhores baladas e está no melhor camarote, em local de total destaque. E consome os produtos mais caros. Seja honesto! Você nunca quis estar na posição dele? Eu queria! Deixe de ser hipócrita. O que pode gerar diferença é que o que eu considero "Destaque" é outra coisa. Se ele acha que isto é bom para ele, não atrapalhando os outros, tudo bem.

2 - Você quer fazer parte de um grupo de linchamento?
O cara foi linchado nas redes sociais, ridicularizado, criticado,  as pessoas julgaram o cara sem conhecer, sem saber quem é, apenas pelo seu estilo de vida. "Ah, mas ele é fútil e babaca". Pois é, você está julgando alguém que não conhece, e que não fez nenhum mal para você. depois não venha bancar o santo postando fotos de gente pobre, memes para ajudar criança desaparecida. Se você soltou o verbo em cima do Alexander você participou de um linchamento virtual. Se fosse em uma escola, isto seria considerado bullying e dava processo bravo.

3 - Você odeia quem é diferente de você?
O que foi visto, mais do que ironia, foi ódio, aquele ódio de gente recalcada, que odeia quem faz sucesso, que define que os valores de pessoas diferentes de si são fúteis e sem sentido. Você quer que os direitos das minorias seja preservado? Mas a custa de quê? Da destruição dos direitos dos outros?

4 - Ou retire o que disse ou assuma que é invejoso
Sabe pedir desculpas? Têm exercido esta prática nos últimos dias? Então está na hora de se retratar. Até semana passada a Veja era considerada pela intelligentsia um veículo pouco confiável e manipulador. Agora virou uma mídia confiável? Só porque permitiu que você destilasse sua maldade por outra pessoa que têm padrões diferentes do seu, ou que conseguiu aquilo que você tanto queria e você não? Retrate-se. Ainda não vi isto acontecer nas redes sociais. A maioria das pessoas ignora as maldades virtuais que faz.

Uma vez estava no estacionamento de uma faculdade em que dava aula, estacionando minha Vespa 1986, e chegou um professor numa moto BKing 1300 zero km. Ele parou a moto dele ao lado da minha, olhou para a minha pipoqueira, deu um sorriso e disse "Agora estou no topo da cadeia evolutiva", orgulhoso de sua moto nova e de seu status. Na hora senti o impacto da provocação, mas deixa o cara ser feliz do jeito que ele acha que a felicidade é. Deixa o Alexander tomar champanhe e vai atrás da "sua champanhe", seja qual for ela. E para de linchar os outros na Internet que é feio, muito feio.

19.10.13

Quem você pode ser?

Uma das respostas que sempre dou para adolescentes quando se perguntam "O que vou ser quando crescer" é que eles já são alguma coisa. Na verdade já são boa parte daquilo que serão no futuro.
Dificilmente as pessoas mudam radicalmente, só grandes eventos pessoais permitem uma mudança absolutamente fora das expectativas óbvias.
Aparentemente quando somos mais jovens o cenário de possibilidades se apresenta com uma amplitude muito grande, apesar de não ser tão grande quanto parece. Este cenário precisa estar dentro do rol de possibilidades que a própria existência desta pessoa já têm para que se manifeste. Para exemplificar de uma maneira bem simples (e idiota, é verdade), o cara não pode querer ser um melão, por mais que queira. Esta possibilidade não está incluída nos cenários possíveis.

Mas muitas possibilidades aparentam ser possíveis dentro dos nossos cenários, principalmente pelo fato de vivermos em comunidades e compartilharmos informação e expectativas perante nossa própria vida. E hoje vivemos um momento histórico que é superdimensionado em relação às expectativas. Nós e o mundo fazemos o papel de anabolizantes de nossas expectativas, ao mesmo tempo. E o resultado pode ser bem perigoso, principalmente para a imagem que construímos de nós mesmos.

Nossa auto-imagem é fundamental para uma boa saúde mental. O ideal (nem sempre conseguido) é que não nos achemos nem melhores do que somos nem piores. Mas, se não pararmos para saber o que somos, como conseguiremos achar este equilíbrio? E será mesmo que é possível sabermos o que somos? Você sabe o que você é? Eu não tenho a mínima ideia do que sou.

É nesta hora que apelamos para o QUEM ao invés do O QUE somos. Definir e adjetivar QUEM somos é mais fácil. Sou aquilo que exerço, sou o jeito que me comporto, sou as tonalidades de afeto que me conectam com o mundo e com as coisas. Sou (e posso ser) Professor, Pai, Carinhoso, Atencioso, este tipo de coisa.

Mas estas coisas também podem ter adjetivos. E como vivemos a era da hipertrofia, ser Professor é pouco, precisamos ser O Melhor Professor, O Mais Amado Professor, O Professor Mais Exigente. Nesta condição, o Mais se torna imperativo. É melhor ser o Mais Qualquer Coisa do que Alguma Coisa. Na verdade ser Professor sem ser O Melhor Professor não têm significado nenhum, pois o que está em jogo é o Melhor contra o Algum, não mais ser Alguém contra ser Ninguém. Para ser alguém preciso ser o melhor, gerar destaque.

Só que crescemos, e o espectro de (aparentes) possibilidades diminui. Quanto mais vivemos, menores são as possibilidades visíveis. É como se nosso óculos começasse a restringir o campo de visão, e o horizonte parecesse mais curto a cada dia. Isto do ponto das expectativas que temos em relação a nós mesmos, é bom ressaltar.

E percebemos que é muito difícil ser o Mais em muitas coisas, inclusive pelo fato de "O Mais..." variar de época para época.

Quer um exemplo? Cinema. Vivi o boom dos anos 80 dos filmes iranianos. O cinema de lá é absolutamente parte de minha formação. Vi e debati todos os filmes que chamavam O Vaso, A Maçã... todos que passaram no Brasil eu assisti. Em mostras, nos cinemas, na casa de amigos. Poderia ser considerado "O Mais" no quesito filmes iranianos na época.

Hoje não faz sentido. Nenhum. Ser "O Mais" hoje é ir na pré-estreia de um filme de personagem de quadrinhos, como o Thor 2. É ter o martelinho de plástico que o Burger King oferece junto do lanche, é fazer memes com as piadas do filme, é ir a um encontro de Cosplay vestido com a melhor fantasia de Thor (ou a pior, também vale), comprar todos os Legos especiais do filme e postar fotos deles nas redes sociais*. Isto é o que o mundo apresenta hoje, e daqui a algum tempo também vai mudar. Portanto, para ser O Mais não basta turbinar sua experiência, você tem de ser rápido. O fator tempo é fundamental para conseguir ser alguém. Senão você corre o risco de tentar ser alguém, demorar e depois tudo aquilo que você construiu deixar de valer. A regra, agora, é outra.

Entendo as pessoas que procuram acelerar o surgimento do Mais usando anabolizantes reais ou simbólicos. Elas não estão só querendo pular a etapa de desenvolvimento. Elas têm pressa. Talvez todo aquele esforço se mostre inútil se elas demorarem demais...

* Uma questão a ser ressaltada: Há outro fator em jogo, que não toquei nesta reflexão, que é que o Mais está associado ao outro. A pergunta "Mais para quem?" é importante, pois dependendo do Para Quem está fazendo alguma coisa muda totalmente o sentido do Mais. Mas não era o foco deste post.

12.10.13

Seu Vizinho é o Mundo

Para quem mora em apartamento, nossa vizinhança é o Mundo.
Não quero dizer que nosso Mundo se restrinja aos vizinhos, mas o estranhamento ou a proximidade que podemos ter com os outros se reflete na relação que temos com as pessoas que moram próximas da gente.
Primeiro que vizinho a gente não escolhe, é um fato. Qualquer pessoa que tenha condições de alugar ou comprar um imóvel próximo do seu é seu vizinho. Podemos, ao decidir onde vamos morar, ter uma referência do estilo das pessoas que irão morar ao nosso lado. Mas não podemos decidir qual será a índole desta pessoa. Morar num prédio cheio de pessoas modernas e descoladas não significa ter boa companhia ao nosso redor. Existe gente moderna mau caráter, chata ou neurótica. Morar num bairro chique não significa que teremos vizinhos simpáticos. Simplesmente teremos gente ao nosso redor.
Dá para entender o pensamento do dono do Facebook quando compra as casas vizinhas à sua simplesmente para ter mais privacidade, quer sossego, não quer ninguém por perto. Não que eu concorde, já que a privacidade sempre encosta na solidão. Mas dá para entender. A maioria das pessoas de classe média que conheço almeja morar em condomínios fechados, onde o conforto é levar para dentro de casa um micro-cosmo da sociedade. Home Theatre para assistir sozinho seus filmes, piscina para escolher quem vai nadar com ele, tenta-se criar um mundo onde se tenha controle de quem estará ao seu lado. Mas sabemos que isto é impossível. Sempre vai ser necessário conversar com o entregador, dar bom-dia para o velho chato, cruzar no elevador com a mulher excessivamente perfumada...

Há que dialogar com o Mundo, somos animais sociais e vivemos em sociedade. Não descendemos dos rinocerontes, que vivem solitários. Somos um bando. E cada vez maior.

Viver em cidades grandes acaba trazendo esta reflexão à tona. A maioria das reclamações no grande Muro das Lamentações que é o Facebook derivam disto. É o trânsito, o trabalho, as filas. Os grandes vilões da existência são vilões sociais: Os momentos em que precisamos dar oi para os outros.

Curiosamente a maneira mais transformadora de mudar este cenário é aceitar o diálogo. Dar bom dia ajuda intensamente, pois você vai perceber que (nem todas) as pessoas também darão bom dia para você. Algumas surpresas, outras sorridentes, outras formais. Mas romper com o ciclo de alienação da existência permitirá uma experiência nova para quem ainda não pratica isto.

Você vai dar bom dia para alguém hoje? Que tal tentar?

9.10.13

O Brasil é um dos Manicômios da Europa?

Lendo "A História da Loucura na Idade Clássica", do Foucault, me veio este pensamento. De acordo com o autor, existe uma estrutura de segregação que foi sendo herdada no decorrer da história.
Com a preocupação com a Lepra no século XVI, são construídos os leprosários, para que fossem confinados os doentes, e evitar o contágio.
Com o declínio da doença na Europa, os Leprosários não tinham mais função, então começaram a internar os sifilíticos, para evitar que a doença se espalhasse. Mas num determinado momento a quantidade de sifilíticos também diminuiu, e não havia mais sentido em usar toda aquela estrutura para poucos doentes. Foi aí que surgiu a ideia de colocar dentro das estruturas os loucos.

O que é louco? Não pretendo esmiuçar o conceito fino do Foucault, mas louco é aquele que não se enquadra na normalidade. Assim, todas as pessoas que não eram consideradas "normais" pelos outros ou pelas autoridades passam a ser confinadas nos antigos Leprosários. E assim surge o Manicômio.

O autor cita muitos países que passam a confinar seus "loucos" na Europa, mas não cita Portugal. Curiosamente, na mesma época Portugal começa a enviar os "degredados" para sua colônia, o Brasil recém-descoberto. E o que são os "degredados"? As pessoas que não eram consideradas "normais" em Portugal.

Pensar que o Brasil começa sua história como um grande Manicômio faz a gente pensar, né?

8.10.13

Dia da Criança - Por um dia de luta pelas crianças

Acho graciosa a ideia viralizada das pessoas mudarem suas fotos de perfil no Facebook durante a semana da criança. Podemos ver crianças de várias épocas e estilos, e entender um pouco mais a alma e a formação de nossos amigos. Há uma delicadeza na atitude, e tudo que é delicado é bom.
Mas ver aqueles rostos de crianças no Face obviamente me fez pensar um pouco... E imediatamente me lembrei da quantidade de crianças em situações inadequadas para elas, vítimas de guerras, de drogas, da pobreza, da violência e do descaso das autoridades.

Pode parecer meio piegas ou muito óbvio, mas este tipo de situação nunca está tão longe da gente. Durante uma ação que desenvolvemos para um cliente na nossa agência fomos distribuir cobertores no dia mais frio do ano aqui em SP. Num determinado momento entramos dentro de uma ponte (como elas são ocas, o pessoal usa para construir verdadeiros condomínios lá dentro, neste moravam umas 30 pessoas pelo menos). Batendo papo com os moradores, começaram a aparecer as crianças, curiosas com as pessoas estranhas que estavam dentro da casa delas. Eram uma meia dúzia, de idades entre três e oito anos.



 
 

Uma das garotas que estava distribuindo cobertores com a gente reparou que o menorzinho estava sem sapato. Na verdade ele estava descalço, na noite mais fria do ano, andando num chão molhado que exalava um cheiro de urina e fezes. Aí ela disse para ele: "Vai colocar seu chinelo! Está muito frio". E ele disse: "Tia, eu não tenho chinelo".

Esta criança de três anos de idade que não tem chinelo mora a seis quadras da minha casa.
As crianças que são dependentes químicas de crack e cola moram a poucas quadras de minha casa, na Cracolândia.
As crianças que trabalham em olarias ou em carvoarias moram em outros estados, do lado do estado em que moro.
As crianças que trabalham colhendo e cortando  mandioca moram em estados colados aos estados do lado daquele onde moro.
As crianças-soldados carregando seus rifles e matando outras crianças moram no continente ao lado do continente em que moro.
As crianças que são vendidas por centavos moram num continente do lado do continente onde moro.

Depende de como enxergamos o mundo as coisas podem parecer mais próximas ou mais distantes. Eu, a cada dia mais, acho que os abusos contra crianças estão cada vez mais perto de nós, e que ao ignorarmos o fato, estamos sendo coniventes com a situação.

Nesse sentido, a brincadeira de trocar de fotos para "comemorar" a infância no FB me parece pouco relevante, esvaziada de sentido. Como adulto que sou, cabe a mim de alguma maneira intervir. E, se for para colocar uma foto em meu perfil, vai ser de uma destas crianças que estão próximas de mim.

6.10.13

Por que Amarildo foi torturado e morto?

Se nos Estados Unidos a "guerra ao terror" justifica abusos contra os direitos humanos básicos, no Brasil, a "guerra ao tráfico"  é a desculpa da vez.
Pelo que se sabe de Amarildo, não parece que ele fosse um santo (Só para lembrar, nem você nem eu somos santos). E que ele tinha algum vínculo com o tráfico na comunidade onde morava, ou fazia parte dele. Ainda não está claro o envolvimento.
Como o país estava mobilizado pelas manifestações, o grau de tolerância de vários segmentos da sociedade estava muito baixo em relação a abusos, e o desaparecimento de Amarildo caiu na boca do povo, o fato acabou se tornando um ícone da conduta violenta da polícia.
A frase "Onde está Amarildo", vista em centenas de situações, poderia muito bem ter acontecido na época da ditadura, quando pessoas desapareciam sem deixar rastros. Até hoje, depois de quarenta anos, algumas não foram encontradas.

Mas a grande questão é sobre a tortura e morte realizada por órgãos oficiais. Esta é a questão. É o Estado sendo conivente com agentes da sociedade, que são pagos para agirem em benefício de todos, realizando torturas e mortes em paralelo com outras leis, que ao que parecem, são de menor relevância social, como ter direito a se defender e ser julgado por um tribunal. A própria pena de morte não existe no papel no Brasil, mas existe na prática.

Para que tenhamos um paralelo entre a conduta do Estado e da Sociedade, imagine uma situação onde você têm uma empresa, e um dos gerentes descobre que um grupo de funcionários estava desviando dinheiro. O gerente chama outros gerentes e eles combinam uma reunião com os funcionários no final do dia, isolam o grupo do contato com outras pessoas e passam a noite torturando o grupo até descobrirem o que estava acontecendo.
No meio da tortura, um dos funcionários não aguenta os maus tratos e morre. O grupo de gerentes passa então a criar uma série de evidências para tentar provar que ele não morreu sendo torturado por eles, mas sim que os outros funcionários o mataram, para que ele não denunciasse o esquema.

Dentro do contexto corporativo a história se torna dura, pesada, parece um filme de suspense, cheio de chantagens e terror psicológico. Mas dentro do contexto social do Brasil se torna mais um caso de "abuso de autoridades", mais uma estatística, parece não ter importância. Afinal de contas, "se Amarildo se meteu com traficantes sabia o que podia acontecer com ele".

Mas como não se meter com traficantes se eles são (ou eram) os líderes da comunidade onde você vive, a mesma comunidade que foi isolada e abandonada durante décadas pelo governo? Que botava todos os excluídos no mesmo pacote, e ignorava o que acontecia por lá, ou era cúmplice de algumas situações? Quem não está envolvido, direta ou indiretamente, com o poder estabelecido?

Há inúmeras evidências de que a violência é um processo contagioso: quanto mais violentos somos, mais violentos nos tornamos. "Transmitimos" violência, fazendo com que os outros se tornem violentos também. A tortura é uma forma de violência inaceitável, mas achamos razoável em estados de exceção, como nos morros ou na guerra ao terror.

Evidentemente Amarildo está morto, e o Estado não vai deixar de torturar pessoas. Vai procurar dois ou três bodes expiatórios e entregar para satisfazer a vontade de justiça. Mas a tortura não vai acabar. Infelizmente, pois hoje no governo temos um monte de pessoas que sofreram com a violência no passado, mas não se solidarizam com aqueles que são torturados hoje...

2.10.13

Que tal passar um dia sem reclamar?

Será que você consegue? Passar um dia sem reclamar? Só um dia?

Reclamar é um hábito, assim como fumar, roer as unhas e escovar os dentes.
A primeira vez que percebi o poder da reclamação foi quando ainda morava na casa de minha mãe, estava na faculdade e em um novo emprego. E, óbvio, ainda tinha tempo de sair com a namorada, ler, ir ao cinema, fazer teatro, exposições e um monte de coisas. Sempre fui de fazer muitas coisas ao mesmo tempo.
Chegava em casa cansado da faculdade, do trabalho, tomava um banho e ia me divertir. E minha mãe ficava olhando meio torto para mim.

"Como foi o seu dia", ela perguntava.
"Ótimo, mãe!" E saía para curtir a vida.
E minha mãe me olhando esquisito.

Um dia tive uma ideia. Quando cheguei em casa, minha mãe novamente me perguntou como tinha sido o meu dia. E eu respondi:

" Uma droga, mãe. Estou acabado. Além de trabalhar por mim e por outros colegas incompetentes, meu chefe agora está pegando no meu pé. Resolveu encanar e tudo ele acha ruim. E na faculdade o pessoal não leva nada a sério, nem o professor quer dar aula, fica batendo papo com aluno e eu fico sem saber o que fazer. Um dia bem difícil..."

Na mesma hora minha mãe foi até a cozinha e começou a fazer um lanche para mim. Me deu atenção, queria saber mais, ficou preocupada... Em suma, descobri que reclamar era mais negócio que não reclamar!

Na verdade não descobri isto naquela hora, a gente descobre quando nasce,  quando entende que é reclamando que a gente ganha as coisas: Leite, Atenção, Carinho e Afeto.

Mas o processo de amadurecimento envolve aprender a conviver com as frustrações. Não é fácil, ninguém está preparado para se frustrar, mas é uma das certezas da vida: Sempre nos frustraremos, nunca a vida vai ser como imaginamos ou queremos. Nunca. E se não aceitarmos a frustração ficaremos a vida toda incomodados pelo fato do mundo não ser como a gente acha que deveria ser.

Como eu disse, reclamar é um hábito. Serve, de alguma maneira, para compensarmos nossas frustrações. Não consegui o que queria? Se eu reclamar talvez alguém me dê um prêmio de consolação, ou seja, atenção e conforto.
O risco é de contágio: Cada vez que eu reclamo abro a possibilidade do outro reclamar também, afinal, ele também quer seu prêmio de consolação, quer atenção. E a reclamação se torna uma competição: Quem reclamar mais ganha mais.
Abra sua rede social hoje, veja sua linha do tempo e repare como, sem perceber, as pessoas reclamam o tempo inteiro. Todas querendo atenção e conforto por não saberem lidar com suas próprias frustrações.

Faça um bem para a sociedade: Passe um dia sem reclamar. Tente, pelo menos. Não é fácil, estamos viciados nisto. Mas se reclamarmos o tempo todo, vamos acabar acreditando no que falamos, e um hora realmente vamos achar que tudo é uma droga, que nada funciona, que as pessoas são um saco, que o dia está horrível. De tanto reclamar, bobeou sua vida vai se transformar nos seus próprios resmungos. E isto não vai ser nada bom.

31.8.13

Mortos na prisão os assassinos cruéis do garoto boliviano de 5 anos

Uma mistura letal de cocaína, viagra, água sanitária e outras coisas matou dois dos assassinos do garoto boliviano. Esta é a técbica de execução usada por facções criminosas nas cadeias. Como o laudo é Overdose, ele acaba não recaindo sobre nenhuma pessoa. Um recurso inteligente dos grupos presos para se livrar de outros criminosos sem ter de responder criminalmente por mais um assassinato.

Os dois, com idades entre 18 e 20 anos, foram forçados a beber a mistura mortal durante o banho de sol. Foram encontrados já mortos.

As facções criminosas dominam as instituições carcerárias há muito tempo, e têm seu código de ética próprio. Matar crianças e mulheres não pode. Trair a facção também não.

De acordo com as notícias da época, o garoto Brayan implorou para não morrer, pediu que não o matassem. Entregou todas as suas moedas para os bandidos, que, sem piedade e de maneira brutal, atiraram na criança.

Os pais, pobres imigrantes ilegais, tinham vindo faz seis meses para o Brasil trabalhar nas confecções do Bom Retiro para juntar dinheiro. Desistiram. Voltaram para seu país para enterrar o filho.

Estes assassinos cruéis foram assassinados de maneira também cruel. A maioria das pessoas que conheço se deixa reagir pela lei de Talião: Olho por Olho, Dente por Dente. Fizeram o Mal? Mal para eles. Mereceram cada momento dentro de uma prisão suja e superlotada. Foram cruéis com uma criança indefesa? Morram da mesma maneira.

E você? O que pensa disto?

23.8.13

Sobre a Exclusão

Há um fundo essencial na Exclusão. Queremos ou não que alguém participe do nosso mundo, da nossa companhia, do nosso espaço?
Por um lado isto poderia ser definido como livre-arbítrio. Afinal de contas, eu não preciso conviver com alguém que não tenha nada a ver comigo ou que me desagrade. Quero apenas viver a minha vida e quero conviver com os meus, com aqueles que gosto e que tenho afinidade.
Claro que é uma postura individualista, a grande maioria das pessoas hoje vive assim.
Mas a exclusão têm várias nuances. Pode ir desde uma postura de apatia perante o outro, aquele que me é estranho, até um genocídio de um determinado grupo. Afinal de contas, a exclusão absoluta é privar de viver aquele que não quero por perto.

O bullying, que tanto vemos nas escolas, nada mais é que a reprodução do sistema de exclusão de dos valores impressos nos adultos com quem as crianças e os jovens convivem. A classe média se auto-excluiu do convívio social, vivendo em pequenas redomas, sem ter de andar pelas ruas e ver os excluídos dos valores que ela prega e exercita.
Para quem quer entender o ponto de vista da classe média semi-abastada, há um belo texto do Contardo Calligaris circulando nas redes sociais, basta clicar aqui para entender como a Inveja é uma mola propulsora da exclusão.

Pensei bastante sobre o assunto  ao ler o livro Holocausto Brasileiro, da Daniela Arbex, sobre o manicômio de Colônia, em Barbacena, Minas Gerais. dentro de seus muros milhares de pessoas passaram por privações e torturas semelhantes aos dos campos de concentração nazistas. Com a justificativa de que seriam "loucas" (portanto não humanas), todo tipo de gente foi mandado para lá, mas todas tinham um ponto em comum: Sua família, seus pares, seu contexto social as consideravam inadequadas para a convivência dentro daquele grupo ou "estranhas". Jogavam estas pessoas dentro dos muros do Colônia e esqueciam. Apesar do tom meio piegas do livro, a reportagem é poderosa e comovente do quanto conseguimos desumanizar as relações quando excluímos alguém.

Esta semana o governo da Síria lançou armas químicas contra a população, e centenas ou milhares de pessoas morreram. As fotos de fileiras de crianças mortas pelo governo está aí para quem quer ver. Tive a oportunidade de ver um vídeo (infelizmente) da AFP com crianças agonizando enquanto médicos tentam salva-las mas não tenho coragem de postar o link, é muito triste e perturbador.

O que é necessário entender é que a Exclusão, radical ou não, gera consequências graves naqueles que são excluídos. E que precisamos estar muito atentos ao nosso comportamento, já que muitas vezes excluímos sem nos darmos conta que estamos fazendo isto.

Não deveria ser possível negar o outro. Mas é possível destrui-lo. E é o que fazemos todos os dias com aqueles que são estranhos a nós.

11.8.13

Não julgue um livro pela capa

O título deste post pode ser um bom ditado (que são, por sinal, frases genéricas que podem ser aplicadas em qualquer contexto, justamente por isto as usamos), mas alguns livros realmente devem ser julgados pela capa. Vamos ver esta seleção que preparei para hoje:


Para mim uma novidade, não sabia desta teoria que os Ovos de Páscoa na verdade são os Ovos de Satã. Um alerta de bom gosto e levemente radical sobre as origens pagãs da Páscoa. Deve ser uma chatice sem fim este livro, a capa até que é legal.

Pornografia e Origami! Yeah! Deve ser dedicado a jovens otakus. Há algo de genial no livro, pois a partir do momento em que se aplica o conceito Pornografia, qualquer coisa fica surpreendentemente erótica, até um chinelo pode ser estimulante com este rótulo.

Um dos meus prediletos! Um livro de colorir com temas do violento e sexista Gangsta Rap. Imagens de armas, tatuagens violentas, mulher pelada, tudo para seu filho de 4 anos colorir enquanto o papai assalta um banco. Será que o MEC vai escolher para distribuir nas escolas públicas? Afinal, faz parte da cultura da periferia, blablablabla...

O melhor da seleção. The Rifleman. Mostra claramente o orgulho do pequeno garoto ao segurar a tora, cuidadosamente colocada em frente ao caubói. O olhar de cumplicidade entre os dois merecia um Pulitzer.