Let´s Go!

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14.12.12

Cultura, Futebol e O Público e O Privado


Durante a apresentação de Ballet Clássico de minha filha Isabel uma mulher começou a gritar:
 "Vai Cíntia!!!"

A voz grossa e alta ecoou pelo teatro algumas vezes, e as quinhentas pessoas que assistiam foram brindadas com a efusiva mensagem.


Num primeiro momento achei (de verdade) que a infeliz tinha gritado "Vai Corinthians!!!", mas depois percebi que ela gritava o nome da amiga, com o mesmo tom que o grito da torcida corintiana. Mas dentro de um teatro, durante o Ballet Clássico...

Duas constatações:


Primeira
Da mesma maneira que a cultura elitizada (livros, dança clássica, teatro, museus, etc.) absorveu a cultura da periferia (grafiti, rap, street, etc.), seria interessante que o processo também acontecesse no sentido contrário. Nada contra expressar a emoção ao ver a amiga dançando, mas gritar no meio da apresentação é totalmente inconveniente e inadequado.
Este fenômeno também está associado à questão do espaço Público e do Privado. Como podemos ver também nos cinemas, as pessoas não diferenciam mais estas duas esferas. O ambiente público é tratado como a sala de casa, e as pessoas conversam nos cinemas como se estivessem assistindo DVD no sofá.
É bom lembrar que cada espaço têm seu jeito de ser, seus protocolos, e eles devem ser respeitados para uma melhor fruição daquilo que estamos assistindo. 


Segunda
Fico extasiado com o amor que as pessoas têm pelos times de futebol, e como transformam um esporte em algo verdadeiramente significativo nas suas vidas.
No caso da amiga gritando no meio do espetáculo, a cultura popular entranhou até na maneira dela se manifestar, semelhante aos gritos de torcida de futebol.

Esta semana vimos três grandes manifestações disto. Os corintianos, que no Brasil soltaram rojões a noite inteira antes de um jogo no Japão (além do monte de gente que vendeu tudo para acompanhar o jogo do outro lado do mundo), os palmeirenses que louvaram num jogo simbólico o seu goleiro amado, e os são-paulinos indo ao delírio por ganhar um jogo onde o time adversário simplesmente abandonou o jogo antes de terminar.
E eu fico pensando: Que inveja desta gente! Eu olho para o futebol e não tenho nenhum apego, para mim não faz nenhum sentido. Como seria bom que minha alegria fosse ditada por um fenômeno esportivo, e que minha personalidade fosse moldada como nos horóscopos, e se eu fosse corintiano seria de um jeito, se fosse palmeirense seria de outro jeito...

Mas não consigo ser assim. Tem um lado Woody Allen dentro de mim que pensa na infinitude do universo e dos bilhões de galáxias explodindo em direção ao nada enquanto os torcedores debatem se foi escanteio ou não. Deve ser muito bom ter uma vida definida por padrões assim, e estou falando sério. É chato demais pensar nas agruras da vida, no que podemos mudar em nosso comportamento, na existência como um todo...
Acho que bateu em mim um momento Cypher, aquele personagem que quer voltar para a Matrix, esquecer o horror que é a realidade, e simplesmente comer um bife suculento sem precisar pensar em nada...

10.12.12

Considerações sobre um ensaio de Ballet

Assistindo o ensaio de Ballet Clássico de minha filha fiquei pensando: Como é intrigante esta coisa da dança, das pessoas tentarem o impossível.
Uma das regras básicas da vida é aceitar a força da gravidade. Quando jogamos coisas para o alto, elas caem. E quando pulamos, voltamos depois de um certo tempo para o chão.

Curiosamente o Ballet Clássico tenta contrariar esta regra básica. Os bailarinos ficam na ponta dos pés, tentam alçar vôo. Aí me perguntei: Será que eles não sabem que por mais que tentem a lei da gravidade ainda vai puxa-los para baixo? Por que esta insistência em tentar algo que não vai conseguir? Algo impossível?

E aí me dei conta que fazemos este tipo de coisa o tempo todo. Que não nos contentamos com o que temos, com a vida que vivemos, e por mais que saibamos que existem coisas impossíveis, vamos lá, tentamos o impossível. Só que no Ballet há uma luta contra algo visivelmente inatingível.

Não sei se algum filósofo já refletiu sobre o patético, mas acredito que é algo a ser investigado filosoficamente... Mas sei que a Arte trata do assunto, e para mim a primeira pessoa que vem na cabeça é o Kazuo Ohno, e seu Butoh. Há algo de patético e frágil na existência. É diferente da Tragédia Grega, que é bela quando trata da impossibilidade de fugir de seu próprio destino. Se na Tragédia a orientação da vida, para onde nos destinamos, é o grande tema, nossa trajetória, independentemente para onde vamos, têm algo de patético.

Platão conta em algum de seus livros a história de um belo e forte guerreiro de Atenas que vai para a guerra no anseio de morrer belo e jovem, em combate. E quando chega lá, é acometido de uma diarréia que impede que ele lute, e ele é obrigado a voltar, todo borrado, para casa. E esta seria uma grande humilhação, ele fora traído pela sua condição humana.

Este tipo de coisa acontece o tempo todo no nosso dia-a-dia. Somos confrontados com nossas limitações, com nossas fragilidades, enquanto tentamos parecer grandiosos, inatingíveis ou superiores.

Assumir a impossibilidade de nossos objetivos, ou assumir o quanto agimos de forma débil e errática nos faz lembrar que somos humanos, que não nos foi dada a possibilidade de sermos como os deuses.

 É na tentativa de voarmos mesmo sabendo que não temos asas que nossa complexidade existencial se revela, de forma sublime e ridícula ao mesmo tempo.