Uma das respostas que sempre dou para adolescentes quando se perguntam "O que vou ser quando crescer" é que eles já são alguma coisa. Na verdade já são boa parte daquilo que serão no futuro.
Dificilmente as pessoas mudam radicalmente, só grandes eventos pessoais permitem uma mudança absolutamente fora das expectativas óbvias.
Aparentemente quando somos mais jovens o cenário de possibilidades se apresenta com uma amplitude muito grande, apesar de não ser tão grande quanto parece. Este cenário precisa estar dentro do rol de possibilidades que a própria existência desta pessoa já têm para que se manifeste. Para exemplificar de uma maneira bem simples (e idiota, é verdade), o cara não pode querer ser um melão, por mais que queira. Esta possibilidade não está incluída nos cenários possíveis.
Mas muitas possibilidades aparentam ser possíveis dentro dos nossos cenários, principalmente pelo fato de vivermos em comunidades e compartilharmos informação e expectativas perante nossa própria vida. E hoje vivemos um momento histórico que é superdimensionado em relação às expectativas. Nós e o mundo fazemos o papel de anabolizantes de nossas expectativas, ao mesmo tempo. E o resultado pode ser bem perigoso, principalmente para a imagem que construímos de nós mesmos.
Nossa auto-imagem é fundamental para uma boa saúde mental. O ideal (nem sempre conseguido) é que não nos achemos nem melhores do que somos nem piores. Mas, se não pararmos para saber o que somos, como conseguiremos achar este equilíbrio? E será mesmo que é possível sabermos o que somos? Você sabe o que você é? Eu não tenho a mínima ideia do que sou.
É nesta hora que apelamos para o QUEM ao invés do O QUE somos. Definir e adjetivar QUEM somos é mais fácil. Sou aquilo que exerço, sou o jeito que me comporto, sou as tonalidades de afeto que me conectam com o mundo e com as coisas. Sou (e posso ser) Professor, Pai, Carinhoso, Atencioso, este tipo de coisa.
Mas estas coisas também podem ter adjetivos. E como vivemos a era da hipertrofia, ser Professor é pouco, precisamos ser O Melhor Professor, O Mais Amado Professor, O Professor Mais Exigente. Nesta condição, o Mais se torna imperativo. É melhor ser o Mais Qualquer Coisa do que Alguma Coisa. Na verdade ser Professor sem ser O Melhor Professor não têm significado nenhum, pois o que está em jogo é o Melhor contra o Algum, não mais ser Alguém contra ser Ninguém. Para ser alguém preciso ser o melhor, gerar destaque.
Só que crescemos, e o espectro de (aparentes) possibilidades diminui. Quanto mais vivemos, menores são as possibilidades visíveis. É como se nosso óculos começasse a restringir o campo de visão, e o horizonte parecesse mais curto a cada dia. Isto do ponto das expectativas que temos em relação a nós mesmos, é bom ressaltar.
E percebemos que é muito difícil ser o Mais em muitas coisas, inclusive pelo fato de "O Mais..." variar de época para época.
Quer um exemplo? Cinema. Vivi o boom dos anos 80 dos filmes iranianos. O cinema de lá é absolutamente parte de minha formação. Vi e debati todos os filmes que chamavam O Vaso, A Maçã... todos que passaram no Brasil eu assisti. Em mostras, nos cinemas, na casa de amigos. Poderia ser considerado "O Mais" no quesito filmes iranianos na época.
Hoje não faz sentido. Nenhum. Ser "O Mais" hoje é ir na pré-estreia de um filme de personagem de quadrinhos, como o Thor 2. É ter o martelinho de plástico que o Burger King oferece junto do lanche, é fazer memes com as piadas do filme, é ir a um encontro de Cosplay vestido com a melhor fantasia de Thor (ou a pior, também vale), comprar todos os Legos especiais do filme e postar fotos deles nas redes sociais*. Isto é o que o mundo apresenta hoje, e daqui a algum tempo também vai mudar. Portanto, para ser O Mais não basta turbinar sua experiência, você tem de ser rápido. O fator tempo é fundamental para conseguir ser alguém. Senão você corre o risco de tentar ser alguém, demorar e depois tudo aquilo que você construiu deixar de valer. A regra, agora, é outra.
Entendo as pessoas que procuram acelerar o surgimento do Mais usando anabolizantes reais ou simbólicos. Elas não estão só querendo pular a etapa de desenvolvimento. Elas têm pressa. Talvez todo aquele esforço se mostre inútil se elas demorarem demais...
* Uma questão a ser ressaltada: Há outro fator em jogo, que não toquei nesta reflexão, que é que o Mais está associado ao outro. A pergunta "Mais para quem?" é importante, pois dependendo do Para Quem está fazendo alguma coisa muda totalmente o sentido do Mais. Mas não era o foco deste post.
Sem comentários:
Enviar um comentário