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27.6.13

O Glossário de Flusser

Estava jogado na cama tentando dormir ontem quando comecei a folhear o Filosofia da Caixa Preta, do Willen Flusser. Achei curioso que fosse o terceiro filósofo que estou lendo que buscava romper com os modelos tradicionais da Filosofia (Bachelard, Heidegger e agora o Flusser).

No caso do Filosofia da Caixa Preta a primeira coisa que Flusser faz é apresentar um glossário logo no começo de seu pensamento, e esclarecer que não vai inserir uma bibliografia, para "... criar atmosfera de campo virgem".

No delicioso Glossário (que transcrevo no final deste post) se destacam duas palavras: O Aparelho e o Funcionário.

A definição de Aparelho, "brinquedo que simula um tipo de pensamento", a princípio é orientada para a máquina fotográfica, mas evidentemente instiga uma amplitude de reflexões. Como diz Flusser, só o fato da máquina transformar quatro dimensões (altura, largura, profundidade e tempo) em duas (altura e largura) já apresenta alta complexidade.

Por outro lado o caráter restritivo da máquina (simular um tipo específico de pensamento), traz a reflexão sobre a relação entre o objeto e a forma que ele é manipulado. Podemos dizer que durante certo tempo o homem moldou o martelo ao seu gesto necessário ao ato pretendido com ele. Hoje, é o martelo que molda no nosso gesto, é ele que cristaliza as possibilidades de relação que temos com o mundo. Assim, há uma cristalização da forma como podemos pensar o mundo nas restrições que os aparelhos nos oferecem.

Mas o que realmente me cutucou foi a definição de "Funcionário", mais precisamente designar o manipulador da máquina em alguém que está mais para Operador do que para Manipulador ou Criador.
"Funcionário : pessoa que brinca com aparelho e age em função dele"

E como estas duas entidades - Aparelho e Funcionário - se relacionam? Através da brincadeira.

O negócio é intrigante. Não li o livro inteiro, estou lendo alternado com o Poética do Espaço do Bachelard, mas senti que tem coelho bom saindo deste mato.

Gozado que já assisti a algumas palestras do Flusser, ouvi meu amigo João Borba falando um monte dele, mas só agora, acidentalmente, comecei a ler. Coisas misteriosas da vida...


GLOSSÁRIO PARA UMA FUTURA FILOSOFIA DA FOTOGRAFIA
 Aparelho : brinquedo que simula um tipo de pensamento.
 Aparelho fotográfico : brinquedo que traduz pensamento conceitual em fotografias.
 Autômato : aparelho que obedece a programa que se desenvolve ao acaso.
Brinquedo : objeto para jogar.
Código : sistema de signos ordenado por regras.
Conceito : elemento constitutivo de texto.
Conceituação : capacidade para compor e decifrar textos.
Consciência histórica : consciência da linearidade ( por exemplo, a causalidade).
Decifrar : revelar o significado convencionado de símbolos.
Entropia : tendência a situações cada vez mais prováveis.
Fotografia : imagem tipo-folheto produzida e distribuída por aparelho.
Fotógrafo : pessoa que procura inserir na imagem informações imprevistas pelo aparelho fotográfico.
Funcionário : pessoa que brinca com aparelho e age em função dele.
História : tradução linearmente progressiva de idéias em conceitos, ou de imagens emtextos.
Idéia : elemento constitutivo da imagem.
Idolatria : incapacidade de decifrar os significados da idéia, não obstante a capacidade delê-la, portanto, adoração da imagem.
Imagem : superfície significativa na qual as idéias se inter-relacionam magicamente.
Imagem técnica : imagem produzida por aparelho.
Imaginação : capacidade para compor e decifrar imagens.
Informação : situação pouco-provável.
Informar : produzir situações pouco-prováveis e imprimi-las em objetos.
Instrumento : simulação de um órgão do corpo humano que serve ao trabalho.
Jogo : atividade que tem fim em si mesma.
Magia : existência no espaço-tempo do eterno retorno.
Máquina : instrumento no qual a simulação passou pelo crivo da teoria.Memória: celeiro de informações.Objeto: algo contra o qual esbarramos.
Objeto cultural : objeto portador de informação impressa pelo homem.
Pós-história : processo circular que retraduz textos em imagens.
Pré-história : domínio de idéias, ausência de conceitos; ou domínio de imagens, ausênciade textos.
 Produção : atividade que transporta objeto da natureza para a cultura.
Programa : jogo de combinação com elementos claros e distintos.
Realidade : tudo contra o que esbarramos no caminho à morte, portanto, aquilo que nosinteressa.
Redundância : informação repetida, portanto, situação provável.
Rito : comportamento próprio da forma existencial mágica.
Scanning : movimento de varredura que decifra uma situação.
Setores primário e secundário: campos de atividades onde objetos são produzidos einformados.
Setor terciário : campo de atividade onde informações são produzidas.
Significado : meta do signo.
Signo : fenômeno cuja meta é outro fenômeno.
Símbolo : signo convencionado consciente ou inconscientemente.
Sintoma : signo causado pelo seu significado.
Situação : cena onde são significativas as relações-entre-as-coisas e não as coisas-mesmas.
Sociedade industrial : sociedade onde a maioria trabalha com máquinas.
Sociedade pós-industrial: sociedade onde a maioria trabalha no setor terciário.
Texto : signos da escrita em linhas.
Textolatria: incapacidade de decifrar conceitos nos signos de um texto, não obstante acapacidade de lê-los, portanto, adoração ao texto.
Trabalho: atividade que produz e informa objetos.
Traduzir : mudar de um código para outro, portanto, saltar de um universo a outro.
Universo: conjunto das combinações de um código, ou dos significados de um código.
Valor : dever-se.
Válido : algo que é como deve ser

3 comentários:

Matrioshka disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Alexander Schevtschenko disse...

Sensacional Bender!!!
Acho o Flusser demais, você certamente irá pirar no trabalho dele.
Ainda não li "A Filosofia da Caixa Preta" mas vou adiciona-lo a listinha de livros para ler.haha

Abração!

João R. A. Borba disse...

Ahhh... Demorou mas encontrou kkkk! Vai descobrir que Flusser vai sendo sempre um pouco mais e mais e mais interessante do que parecia à última visita...!