Let´s Go!

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20.2.13

O fantasma do aeroporto

Quando ele estendeu a mão minha reação foi automática: nos cumprimentamos e fiquei com aquele olhar de "de onde nos conhecemos mesmo"?
Era um senhor de meia idade, poderia entrar numa fila de terceira idade pelas rugas e olhar cansado. Não estava mal vestido, mas sua roupa tinha traços de também estar próxima da aposentadoria.
Eu estava jogando o tempo fora, coisa que não sei fazer direito, mas o aeroporto nos obriga a isto. De certa maneira estou precisando treinar ficar sem fazer nada. O excesso de preocupação faz com que a gente deixe de se colocar num estado de ócio, parece que poderíamos estar fazendo algo de produtivo ao invés de estarmos inertes, improdutivos. A conclusão é que quando não fazemos algo acabamos nos sentindo culpados. E ninguém relaxa com a culpa corroendo o coração.

Sou um bom decifrador de expressões, a vida me fez assim, ou assim fiz a vida. O olhar dele me passava uma impressão ambígua, de um lado um certo orgulho e certeza. Seus gestos eram claros e precisos, não havia suplica, parecia um discurso seguro, de homem experiente.
Mas por outro lado algo não ornava.
Ele me dizia que tinha de viajar para ver o filho, que era antigo funcionário do setor de aviação e que tinha sido demitido com a reestruturação do setor. Agora, precisava visitar o filho, mas precisava inteirar a viagem com uma ou duas centenas de reais, e por isto pedia minha ajuda.
Curiosamente, a última coisa que ele aparentava era estar pedindo alguma coisa. Nem parecia pedir atenção, estava num percurso, numa performance para si mesmo.
A história toda era furada, mas não seria isto que não me faria ajudar. O que gerava o estranhamento era uma sensação de que ele realmente não queria o dinheiro, ou melhor, ele não queria gerar empatia.

Talvez ele tivesse sido um gerente de baixo escalão, mais para "chefe" que para líder. Talvez fosse daqueles pais que chegam em casa em silêncio, depois do longo dia de trabalho e ficam numa poltrona ruminando ou lendo o jornal.
Quem sabe ele fosse uma daquelas pessoas que explodem, emocionalmente instáveis, que acham que os outros são obrigados a aguentar tudo, por ela ser importante demais ou por eles serem importantes de menos.

Olhei firmemente nos seus olhos e sem a mínima emoção disse que não poderia ajudar. Que desejava boa sorte, e esperava que ele tivesse sucesso no que procurava.

Ele continuou a olhar para mim, sem se mexer, olhos parados.

 Típicamente judeu, ele disse. Agem como se fossem ajudar, mas no final não ajudam. Postura de judeus.

Se eu não saísse andando depois de um tempo ficaríamos ali por toda a eternidade.

Voltei para a livraria alguns minutos depois, e ele tinha ido embora. Voltei porque achei que realmente poderia ajudar. Pensei em conversar com ele sobre alguns furos na sua abordagem. Podia oferecer uma visão amoral de fora que o ajudaria a conseguir abordar pessoas e gerar mais empatia. Mas ele não estava lá.
Ao andar pelos corredores ouvi sua voz, e ele estava se aproximando de um grupo de pessoas ao lado do banheiro. Parei do lado de uma coluna para analisar sua estratégia. Foi quando percebi que não havia uma estratégia, muito menos um objetivo.
Ele não queria obter dinheiro contando uma triste história, ou se queria no meio do caminho desqueria. Em poucos segundos estava gritando com todos ao seu redor. O Brasil era assim, cheio de gente que não prestava, gritava.
Foi aí que percebi que estava diante de um fantasma, que perdera toda a complexidade humana, mas adquirira todas as matizes da amargura e do rancor, típicas da tristeza que sentimos nos tropeços da vida.

Como no conto de Natal americano, eu me senti diante do meu próprio futuro, talvez cheio de mágoa e rancor. Meu perigoso futuro estava querendo pegar o avião comigo. E ele estranhamente havia se encontrado com o meu presente desprovido de emoção, que acha que cada um carrega seus fardos, e que os fardos dos outros não tem nada a ver comigo.
Se meu fantasma do futuro tivesse se encontrado com o meu eu do presente, aquele que saiu correndo em direção dele querendo ajudar, o que teria acontecido? As duas energias, do presente e do futuro, se anulariam ou se alimentariam?
Devemos aceitar que todos os sentimentos viajem com a gente no mesmo avião ou simplesmente devemos deixar alguns deles para fora de nossa viagem?

Naquele dia resolvi não deixar que a mágoa e o ressentimento viajassem comigo. Espero tomar esta decisão sempre.

1 comentário:

Gui disse...

Maravilhoso.