A Folha de São Paulo online mudou sua postura comercial, e de uns tempos para cá passou a cobrar pelo conteúdo de seu portal. Descobri isto através de um sistema criado por eles que reduz em 20 páginas gratuitas de acesso por internauta. A partir daí, bloqueia o acesso ao conteúdo.
Como não entrei mais no portal da Folha, não sei se eles desistiram de sua estratégia ou mantém a restrição.
Considero equivocada esta estratégia de rentabilizar conteúdo do Grupo Folha. Primeiro por uma razão muito simples: O usuário acostumado a um produto totalmente gratuito tem resistência a entrar em um modelo pago (mais que resistência, beira a rejeição, se sente enganado). Por que a pessoa pagaria a partir de hoje por algo exatamente igual ao que acessava ontem gratuitamente? Fica difícil de entender e impacta na percepção da marca (branding) justamente no seu público fidelizado.
Outra questão importante é o fato da diminuição da relevância enquanto fonte nas redes sociais. Menos pessoas irão compartilhar as notícias deste portal em Facebooks e Twitters, o que diminui a presença da marca na mente das pessoas e a quantidade de visitação. E as redes sociais não podem ser ignoradas, basta lembrar que no último censo o Facebook já tinha mais de 900 milhões de usuários, aproximadamente uma pessoa em cada 13 no mundo têm conta nesta rede.
A estratégia pode ser parecida com a que a Igreja Católica têm feito, a partir do Papa Bento XVI (e já sendo engendrada por ele na gestão anterior) que é a redução de fiéis visando fortalecer a fé naqueles que realmente vivem a experiência religiosa católica. Em suma, deixar de lado os "meio-fiéis", que chamamos aqui no Brasil de católicos não-praticantes, aceitar a perda deste grupo e focar nos que interessam. Talvez o Grupo Folha tenha seguido este exemplo. Mas acredito que existissem outros recursos de fortalecimento de resultados sem usar este caminho. Nem sei se fidelizar neste caso não seja uma tentativa de impor um modelo offline dentro de um cenário online que já estabeleceu parâmetros próprios e dinâmicos, diferentemente do modelo de venda de jornal que já existe há mais de cem anos.
É inegável que as pessoas estão deixando de ler, em especial jornais diários pagos. Os assinantes diminuem a cada dia, mas os concorrentes com conteúdos simples e gratuitos ocupam espaço no mercado e ganham dinheiro com ... publicidade! Pode parece incrível, mas aquele velho modelo de divulgação em mídia impressa está vivo e gerando faturamento para jornais regionais e segmentado, há vários estudos sobre eles disponíveis na Internet.
O Grupo Folha diversificou seus produtos, como venda de livros, aplicativos pagos, mas imagino que seja muito dolorido para a gestão tradicional do jornal aceitar que ele tenha virado parte de um todo (do ponto de vista de faturamento), e que a fonte de onde os produtos derivam (o portal e as notícias) seja apenas uma parcela de onde vem o dinheiro.
Também imagino a dificuldade de gerenciar duas plataformas tão distintas (do ponto de vista de modelo comercial e de relacionamento com o usuário), sem que uma não "canibalize" a outra. É possível manter o jornal pago e o portal gratuito? É uma hipótese, mas pela reação do Grupo Folha provavelmente os resultados forçam a empresa a se movimentar em alguma direção.
Não sei quanto custa manter uma equipe de jornalistas de qualidade que investiguem notícias ao invés de repassar press releases. Sei que folha de pagamento não é barato, mas sei também que reestruturações, investimentos em mídia, etc etc também não são baratos, muitas vezes é mais caro que gente.
Uma das coisas que vejo com clareza é que não está se discutindo uma reformulação de produto e de politica comercial simultânea. O que se quer é impor um novo modelo comercial sem reformular o produto, e isto não dá certo.
Um caso interessante que vale como comparação é o de uma banda chamada Propellerhead. Há alguns anos atrás eles foram responsáveis por vários sucessos, muitos vindos da trilha sonora que fizeram para o filme Matrix.
Para poderem desenvolver uma trilha interessante eles tiveram de criar seu próprio software de música, o Reason. Apesar do sucesso como banda, eles perceberam que havia pessoas interessadas em usar o software que desenvolveram para criar suas próprias músicas. Assim, entraram no mercado de programação e começaram a vender o Reason.
O Reason foi um sucesso, mas ele é um produto de nicho, extremamente segmentado, de alto custo e de alta complexidade. Não é todo mundo que consegue usar o software. Assim, eles resolveram desenvolver um novo produto, o Figure, voltado para Smartphones, usando uma série de timbres do Reason mas com interface simples e voltado para um público que quer se divertir fazendo pequenas trilhas sentado no aeroporto enquanto o embarque não começa. Coisa rápida e divertida.
A mesma equipe que começou como banda eletrônica vira desenvolvedora de software para segmento musical e depois amplia sua participação no mercado oferecendo um software divertido e poderoso a U$ 0,99 na Applestore.
Há inúmeros casos parecidos com este, como o da Amazon, cuja receita multiplicou a partir do momento em que passaram a oferecer hospedagem de conteúdo, aproveitando uma capacidade de armazenamento ociosa que dispunham.
Obviamente, é mais fácil para quem já nasceu neste novo mundo se mover por ele. O Grupo Folha está tendo a mesma dificuldade que várias empresas que se viram diante de cenários inóspitos e tentaram impor seu modelo ultrapassado para um mundo que mudou. E corre sérios riscos de ser abocanhada por um conglomerado maior, mais ágil e menos indeciso que ele.
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