Este texto foi escrito pela minha amiga querida Dani, colega da Fecap, que enfrentou uma dura batalha com o câncer de mama. Recomendo a leitura!
Eu já comecei um texto como este várias vezes, mas tinha minha autocrítica me impedindo de terminá-los (todos os antes começados). Como expor algo tão íntimo e ao mesmo tempo tão comum? Ter câncer não é raro, tão pouco incomum hoje, algo que acomete os imortais da tevê e do cinema, mas há nuanças que fazem de cada caso um caso. Parece clichê, mas o assunto veio à tona há semanas com o caso da atriz Angelina Jolie. Eu fiz também o exame genético de busca por mutações celulares, do BRCA1 e do BRCA2, porque descobriu-se em mim um tipo de câncer de mama mais incomum, o triplo negativo e tenho uma prima da minha mãe, que teve câncer de ovário e de mama depois. Passou por tratamento e hoje está viva e bem, sempre foi uma mulher muito bonita por sinal. Esse foi quase o final de minha saga, porque, enfim, sou relativamente jovem e espero que esta luta não termine tão cedo, gostaria de viver ainda muuuuuuuuuuuuuito mais!
Sou professora, desde os 14 anos; cursei o antigo magistério e trabalho, desde os estágios, há 19 anos com educação. Sou formada pela USP em Letras, tenho uma irmã mais nova, gosto de ler, adoro sorvete e sou casada há 6 anos, mas estamos juntos há 14. O mais importante dessa breve apresentação é que sou mãe da Marina, de 2 anos e 8 meses e tive câncer de mama aos 32. Estava amamentando a filhota, querida, planejada, amada, que estava com 6 meses, quando descobri um pequeno caroço de + ou – 1,8 cm no seio esquerdo. Aparentava uma “formação de gordura do leite, célula adiposa”, sei lá, perdoem-me meus médicos o vulgarismo, parecia algo comum.
Minha obstetra, Drª. Ana Angélica Fonseca, minha guia, foi a primeira a me examinar e já devia saber que havia algo estranho, porque saí da consulta com uma bateria de exames a serem feitos com certa urgência. Hoje sei que ela já sabia o que me acometeria! O mastologista indicado foi o Dr. Mario Mourão Netto, só para lembrar que sou professora, todo e qualquer procedimento foi feito pelo convênio.
Eu não podia imaginar que ele, o Dr. Mourão, era o papa da mastologia no Brasil, ex-diretor do Hospital A.C. Camargo, em SP, quem seria para mim como um pai nestes próximos anos. Senhor simpático, mas sério, viajado, inteligentíssimo, com quem chorei compulsivamente quando me deu o meu diagnóstico final, pré-operatório, de carcinoma maligno, com pressa para a cirurgia, porque o pequeno tumor crescia assustadoramente ao toque. Depois de batalhas “homéricas” com a Unimed Palistana Seguros Saúde, apesar de ter direito ao Hospital Osvaldo Cruz ou ao próprio A.C. Camargo, eu só consegui o Hospital Vitória, na Anália Franco, com a rapidez que o Dr. Mourão desejava e que foi ótimo. A “fila de espera” era de dois meses em outros hospitais.
Foram ressonâncias, ultrassons, mamografias, biópsias, pulsões com agulhas finas, grossas, exames de sangue mil, etc, etc, passaram-se quatro meses desde a consulta com a Dr.ª Ana Angélica; fui operada no dia 17 de novembro de 2011, devido à competência e agilidade do Dr. Mourão e de toda a sua esquipe, desde a sua secretária.
Abram aspas para aquele dia na sala do mastologista, quando o médico me disse que eu teria que passar por mastectomia total da mama esquerda e ainda esvaziamento axilar esquerdo, o qual já tinha mais de 20 linfonodos, o que até poderia comprometer parte do movimento do braço, eu saí de lá e só pensava numa coisa: “nunca mais vou amamentar!” Vejam como é engraçado pensar nisso hoje, eu tinha acabado de tirar a Marina da amamentação, eu não sabia se iria viver para vê-la crescer, nem se iria ser mãe de novo, nem se deveria contar aquilo tudo a alguém, porque naquele momento o lugar mais seguro do mundo parecia a sala do Dr. Mourão!
Eu fui para o banheiro da sala de espera, olhei para o espelho e disse para mim mesma: “não vou pedir para ninguém me buscar, porque fiz questão de ir lá sozinha e ...” depois de ter chorado lá por um tempão “...não vou mais chorar quando sair daqui, porque eu vou conseguir dirigir até em casa, tenho minha família, meu companheiro e a Marina esperando por mim!” Mentira, porque eu chorei muito depois, antes, durante, enfim, por todo o tratamento!
Bem, não vou contar toda a saga da cirurgia, do tratamento, da quimioterapia e radioterapia no IBCC (Instituto Brasileiro de Controle do Câncer), porque foram 18 sessões de quimio, 32 de radio, engorda, emagrece, quase morri de tanta dor, de tanto vomitar, coloquei cateter para as aplicações, mas o que vale ser mencionado é o carinho de todos, no Hospital Vitória; agradeço a Deus e a todos da equipe cirúrgica, (anestesista, cirurgião oncologista, cirurgião plástico, instrumentalista, enfermeiras, ao Dr. Rogério, em especial, que é um fofo). E beijos carinhosos à Drª. Maristela e à enfermeira Lilian, do IBCC, que foram demais!
Foram os dias mais difíceis e também os mais felizes da minha vida! Posso afirmar com certeza que poucos no mundo vivem o que eu vivi, tanta intensidade, medo, vitórias diárias em tão pouco tempo; mesmo careca (admito, foi muito difícil ver o cabelo cair, eu usei peruca. Não curti o lance do lenço) a melhor parte do dia era … acordar, ver a Marina e ir para o hospital, porque eu estava viva, mais um dia, “estou viva”!
Nós levamos a Marina para o conhecer o mar! Mesmo de peruca eu fui. Fomos eu, o Rô, ela, meus sogros, a Santos! Ela não estava muito bem, pegou uma virose, não dormimos direito, conhecemos muitos Pronto Socorros, mas para mim pareceram as praias gregas! Poder vê-la pisar na areia pela primeira vez foi muito emocionante!
Nesse depoimento há um lado parecido com o que viveu a atriz Angelina Jolie, porque eu nunca esperava ter passado por isso, não tinha nenhum caso diretamente antecedente na família, com 32 anos, nunca tinha feito uma mamografia, não poderia esperar um carcinoma maligno de 9,8 cm (não são milímetros não, são centímetros), que cresceu assustadoramente em três meses. E apesar de tudo o que ela preveniu, eu não teria feito o que ela fez, sei lá, acho que não; foi movida pela medo, ou pela coragem, de não querer passar pelo o que a mãe passou e perder alguém próximo e amado para o câncer também não é fácil; mas ela fez uma escolha, a qual eu não pude fazer. Apesar da medicina ser a favor do método preventivo, ainda assim existia a possibilidade da doença não se desenvolver. Como no meu caso, havia a possibilidade remota dela acontecer e aconteceu! Parece plágio do Gianecchini, mas ele tem razão e só quem passou por isso sabe: o câncer também fez de mim uma pessoa melhor!
Não melhor do que ninguém, antes tivesse a boca e a conta bancária da Jolie, (porque marido eu tenho um de primeira, a pessoa mais calma e mais companheira que alguém poderia ter ao seu lado, que foi pai e mãe da Marina e ficou do meu lado nos piores momentos! Deixa os amigos do Rô lerem isso!), contudo sou muito melhor do que eu era antes! E ainda falta parte de mim, porque não sei se ela fez o esvaziamento da mama, preservando pele e mamilos, o que não deixa de ser uma mastectomia preventiva, mas eu e muitas outras vítimas do câncer fomos mutiladas, (não foi possível ainda fazer a minha cirurgia reparadora, tamanha gravidade foi a cirurgia do dia da retirada do tumor), apesar de todo cuidado de profissionais como o Dr. Alexandre Katalinic Dutra, que é o melhor cirurgião plástico do mundo, porque ele cuida das pessoas que o procuram, não das “partes” do corpo que ele repara! Nunca conheci profissional tão atencioso e gentil, assim como sua secretária Luci, além da linda esposa, que se chama Marina, olhe como é este mundo cheio de não-coincidências!
A vida é um risco diário, esta aposta no que não se sabe que vai acontecer é que temos para hoje! Esta é a graça em estar vivo, saber que se pode morrer! Parece que a descoberta em ser imortal é algo que nos exige tanto! Obrigada inclusive à Drª. Eleonora Haddad Antunes, minha psiquiatra, e à minha terapeuta, Drª. Ana Cristina Marzolla, porque sem elas estar bem hoje não seria possível. Meu exame genético para investigar as possíveis mutações dos genes BRCA1 e BRCA2 deu a presença de 8 mutações no BRCA1 , mas todas inconclusivas, logo a minha possibilidade inconclusiva de ter câncer, de + ou - 25%, já se concluiu, eu espero que sem reincidências. A Drª. Maria Isabel W. Achatz até ligou em casa para me acalmar sobre o resultado desse exame. Exame que ainda não é feito pelo SUS, tampouco pelos convênios, nem em casos graves como o meu, mesmo com solicitações expressas de médicos tão importantes como a Drª. Maria Isabel, diretora do setor de oncogenética do Hospital A.C. Camargo, em SP. Eu só consegui o meu pedido, na Unimed Paulistana, depois de 40 dias, com jurisprudência, (o que significa que outras pessoas já haviam conseguido o exame antes), depois de tamanha batalha, como foi a minha e ainda prometi ao Dr. Mourão, um profissional incansável, que iria tentar divulgar a todos essa causa que não é inglória: não é luxo o Sintema Único de Saúde dispor esse exame às pessoas que não podem pagar um convênio ou lutar como eu lutei para consegui-lo!
Às vezes, diante das dificuldades, achava que estava sonhando (ou morrendo), tamanho cuidado os profissionais da oncologia tiveram comigo! Enfim, o objetivo da exame era pesquisar se uma ooforectomia profilática seria necessária (retirada do ovário), ou também uma mastectomia da mama direita, preventivamente, as quais provavelmente não seriam cobertas pelo convênio. Inclusive, como a fez a atriz Angelina Jolie, alvo do assunto discutido há semanas pela mídia, ao qual eu estava assistindo na tevê, enquanto lia o resultado de meu exame. Foi quando o meu amigo do trabalho, A. Bender, pediu-me para pensar num depoimento, aqui estou há dias, escrevendo o mesmo texto, e acho que agora foi!
Na verdade está sendo, talvez até tenha sido mais fácil para mim, podem dizer muitos, diziam e dizem que eu tive muita coragem; não sabem que só foi possível porque tenho a Marina, tenho muitos amigos, tive muita ajuda da minha querida mãe, da minha sogra, que é como mãe, da minha irmã, sogro, cunhados, família, dos amigos da escola onde trabalho, minha diretora, minha terapeuta, a fisioterapeuta e acupunturista Simone (quem se tornou a melhor amiga dos últimos tempos), além de todas as companheiras e companheiros de causa que fiz no IBCC, pessoas humildes, ou jornalistas, empregadas domésticas, ou donas de casa, professoras, ou atendentes de telemarketing, pessoas comuns como eu, todos aprendemos a viver apenas um problema de cada vez; já a certeza da cura, não sei, mas com a certeza da esperança na vida, claro, todos os dias!
Danielle Karen de Lima, 06 de junho de 2013.
Dicas de pesquisa:
http://www.ibcc.org.br/
http://www.accamargo.org.br/
http://www.euquerobiologia.com.br/2013/01/desvendando-o-cancer-de-mama-triplo.html
http://www.cancer.org.br/noticia/733/retirada-das-mamas-so-vale-para-casos-extremos
Sem comentários:
Enviar um comentário